Os Rapazes de Nickel | Colson Whitehead
Colson Whitehead venceu o Prémio Pulitzer, assim como o National Book Award, com o seu livro "A Estrada Subterrânea". "Os Rapazes de Nickel", livro lançado em setembro de 2020 em Portugal, já lhe valeu o segundo Pulitzer, algo incomum na literatura americana.
Este livro conta-nos a história de dois amigos, que se conheceram num reformatório para jovens "complicados". A ação desenrola-se entre os anos 50/60, na América, onde o racismo imperava. As pessoas de raça negra eram tratadas como inferiores e não tinham os mesmos direitos - não podiam ir a um café ou a certos estabelecimentos, não tinham acesso a certos empregos nem às mesmas oportunidades de educação, entre outros exemplos. O livro dá-nos uma contextualização da época muito enriquecedora, com citações dos discursos de Martin Luther King que inspiravam o jovem Elwood, um jovem negro que viu o seu destino ser-lhe roubado injustamente, e cuja história vamos acompanhar ao longo do livro.
Lembrou-se de que Yolanda King tinha seis anos quando o pai lhe contou a verdade acerca do parque e das regras dos brancos que a deixavam do lado de fora da cerca, a olhar lá para dentro. Sempre a olhar para dentro daquele outro mundo.
Elwood é um rapaz promissor - inteligente, trabalhador, pacato e que não gosta de arranjar problemas. Proveniente de uma família negra, sempre sentiu na pele a discriminação e as desigualdades perante os homens brancos. Inspirado pelos discursos de Martin Luther King, sempre acreditou num mundo melhor e mais justo, onde a igualdade imperasse. No dia em que iria ingressar na universidade, pediu boleia a um carro que passou na estrada. Por azar, o condutor tinha roubado este veículo e Elwood foi também considerado culpado do crime. Por ser um rapaz negro, ninguém ouviu nem acreditou na sua versão da história, tendo sido mandado para um reformatório destinado a jovens (negros e brancos) problemáticos: Nickel. Neste local, Elwood viu e vivenciou horrores - coisas atrozes, desumanas, que eram feitas a crianças, simplesmente porque sim, porque podiam. Desde violações, agressões brutais que levavam à morte destas vítimas, tortura... todos os horrores que consigamos imaginar.
Foi aqui que Elwood conheceu Turner, um jovem que estava mais ao menos na sua situação a que acabou por se tornar o seu único amigo e confidente. Para além da infância destes jovens, o livro também retrata a vida após Nickel, e a dura batalha pela sobrevivência que era necessária travar diariamente, mesmo já estando fora desta prisão.
É um livro duro, mas bastante inspirador. O mais chocante é saber que a história é baseada em acontecimentos veridicos; que, durante anos, foram cometidos crimes atrozes contra crianças que não tinham como se defender, que eram vítimas na mão do estado e de um governo racista. Nem as próprias famílias conseguiam ajudar estas crianças - depois de estarem dentro de Nickel, a sua existência passada extinguia-se. Um livro que nos faz mesmo agradecer por tudo aquilo que temos; que nos faz ter mais consciência das injustiças que foram (e, infelizmente, algumas ainda são) cometidas em prol do racismo e de ideias preconceituosas.
Como era possível andar por aí, sabendo que vemos apenas uma fracção do mundo, desconhecendo que só temos acesso a uma nesga da realidade?
Avaliação: 8/10