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Clarabóia

Clarabóia

14.04.20

O chão dos pardais | Dulce Maria Cardoso


Raquel Patrício

O chão dos pardais.jpg

"O chão dos pardais" foi o primeiro livro que li da autora Dulce Maria Cardoso e devo-vos dizer que não me arrependo!

Este livro conta a história de várias personagens que estão todas interligadas e, cada uma, com um papel importante e influenciador na vida dos outros. Começamos por Afonso, um homem na casa dos seus sessenta anos, rico e com um emprego de sucesso, que está habituado a ter tudo o que quer. Afonso é casado com Alice e têm uma relação típica desta geração: não se amam, nunca foram felizes mas é obrigatório manterem as aparências. Apesar de Alice ter conhecimento das traições de Afonso, não se aborrece - faz parte da sua personalidade ignorar e evitar tudo aquilo que lhe causa desconforto. Este casal tem dois filhos, Clara e Manuel, ambos com relações pouco convencionais aos olhos da sociedade e que não orgulham os pais. Por um lado, Clara é lésbica - apesar de já ter tido relações assumidas, é algo que não é pronunciado em "voz alta" por nenhuma das personagens. Por outro lado, Manuel apaixona-se por uma pessoa que nunca conheceu pessoalmente e com quem só fala pela internet.

Para além destas personagens, existe outro casal de destaque: Sofia e Júlio. Sofia é amante de Afonso, que odeia, e noiva de Júlio, que ama. Apesar de ter a certeza dos seus sentimentos e de sentir repulsa por estar com Afonso, tem necessidade de trair o seu noivo com homens mais ricos, que lhe podem dar todos os bens materiais que deseja. Porém, Sofia não aguenta os remorsos, acha que tem que ser sincera com Júlio para o bem da sua relação, e conta-lhe das suas traições. A partir daqui, a história escala até ao grande desfecho e evento final, que ocorre no aniversário de Afonso, em que todas as histórias se cruzam.

A escrita de Dulce Maria Cardoso fez-me lembrar, em certos momentos, a escrita de José Saramago - com o discurso direto inserido no discurso indireto, com o recurso da pontuação para marcar diferenças neste discurso - mas duma forma mais simplificada e acessível. A história mantém um ritmo muito interessante, com descrições que exploram muito bem cada uma das personagens, dos seus sentimentos e dos seus pensamentos. Além disso, achei muito interessante a autora inserir marcadamente a narrativa num determinado momento temporal, com descrições muito vívidas da morte da princesa Diana no ano de 1997, que serve como pano de fundo a todas as descrições que vão ocorrendo.

“O arrependimento só devia ser permitido aos mortos. Os vivos podem sempre agir.”

Avaliação: 8,5/10