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Clarabóia

Clarabóia

22.03.24

A Impostora | R. F. Kuang


Raquel Patrício

"A Impostora" (título original: Yellowface), foi o primeiro livro que me aventurei da escritora R. F. Kuang. Este tem sido um fenómeno pelas redes sociais e, já há muito, que estava a despertar a minha curiosidade.

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A história é narrada pela personagem principal, June Hayward, uma escritora que - até então - teve pouco sucesso. June começa por descrever a sua relação com outra escritora, Athena Liu, que conhece desde a faculdade. Aparentemente, as duas são amigas desde essa altura. Contudo, Athena conseguiu alcançar, desde muito cedo, bastante visibilidade e sucesso, fazendo com que June vivesse sempre na sombra dessa notoriedade, com grande inveja. No início, senti-me perante duas personagens com as quais não consegui criar grande empatia: por um lado, June vive obcecada pelo sucesso da colega, mantendo-se presente nos momentos importantes da vida desta mas sempre consumida por uma inveja desmedida; por outro lado, pela narrativa, percebemos que Athena também é uma personagem detestável e que cria uma persona para as redes sociais/mundo literário de alguém muito mais humilde do que efetivamente é. 

O grande momento de ação acontece, com a morte estúpida de Athena durante um episódio de celebração entre ela e June. June sente-se compelida a roubar um manuscrito do próximo livro de Athena que depois servirá como base para o seu próximo trabalho. A partir daqui, vemos o desenvolvimento da personagem de June, os seus pensamentos mais sombrios e ficamos a conhecer melhor o passado desta amizade, assim como os motivos que levam June a detestar Athena.

Além disso, o livro começa a focar-se bastante em questões raciais e de apropriação cultural: até que ponto é legítimo uma mulher branca escrever sobre asiáticos? Ou, até que ponto, podemos limitar a escrita com base na raça - não deve cada um ser livre de escrever sobre o que quiser? Esta história apresenta também uma crítica muito clara ao mundo editorial e aos fatores que são mais importantes para que alguém consiga ter sucesso: é tudo uma questão de sorte ou existe mérito? São as grandes editoras que determinam previamente quais serão os best-sellers ou a qualidade do produto é que dita essa escolha? Temos, ainda, muito bem retratado a política de cancelamento e o ódio desmedido da internet. Por vários momentos, senti-me num episódio de Black Mirror, onde sabemos que alguém é culpado mas, por outro lado, sentimos que o sofrimento pelo qual está a passar é castigo mais do que suficiente pelas más ações cometidas. 

Por fim, é levantada ainda outra questão: qual é o ponto em que uma paixão, algo que é o nosso sonho de vida, se transforma numa obcessão que arruína por completo a nossa integridade e saúde mental? Onde é que devemos parar?

Writing is the closest thing we have to real magic. Writing is creating something out of nothing. Is opening doors to other lands. Writing gives you power to shape your own world when the real one hurts too much.

A escrita de R. F. Kuang é bastante envolvente, com um ritmo acelerado e fácil de acompanhar. Existem momentos de humor negro brilhantes, rodeados de cinismo e sátira constante a várias temáticas. A construção das personagens, principalmente de June, está muito bem feita. Comecei o livro por não sentir qualquer empatia pela personagem e terminei a sentir bastante pena. É um livro que, mesmo depois de o terminarmos, fica-nos gravado e obriga-nos a pensar mais a fundo sobre determinados temas. Por isso, aconselho mesmo!

E por aqui, quem já leu este fenómeno?

 

Avaliação: 7,5/10