A História de Roma | Joana Bértholo
Ao fim de vários meses ausente e com pouquíssima vontade de regressar à leitura, deparo-me com "A História de Roma", um livro de Joana Bértholo, de 2022, que me cativou logo pela sinopse.
Está é a história de duas pessoas, que já foram um casal, e se reencontram passados 10 anos, em Lisboa. A narrativa desenrola-se em dois momentos temporais distintos: enquanto acompanhamos o momento presente, durante o reencontro destas duas pessoas e os seus dias em Lisboa, temos um vislumbre de vários episódios vividos em diferentes cidades (Buenos Aires, Marselha, Berlim...) que marcaram a sua relação passada. É um livro sobre o amor e a imagem que construímos de alguém, com base nas memórias da história que recordamos. Como é que o nosso estado de espírito influencia a nossa perceção da pessoa que está ao nosso lado e do sentimento que nos une, como é que recordamos uma cidade, momentos, e, simultaneamente, criamos uma "ilusão" de amor.
Perguntei o que achavas tu do amor não correspondido e não hesitaste: é a forma de amor mais duradoura, até a mais pura. Reentraste em casa para fechar a torneira e quando voltaste acrescentaste ainda que é o amor mais fértil para a ficção, mas também aquele que enlouquece. Que enlouquece?, sim, porque gera uma relação neurótica com a impossibilidade, que é intolerável, porque a entrega é total.
Um livro com uma escrita densa mas muito muito bonito. Faz-nos refletir sobre as relações não correspondidas ou sem "finais felizes", ao mesmo tempo que nos traz um sentimento de conclusão. Além disso, apresenta outra temática acutilante: fornece-nos a perspetiva da mulher que decide não querer ter filhos e o impacto que isso tem na sua vida, nas suas relações de amizade e românticas. Esta profunda reflexão sobre o mundo estar formatado para que se espere que uma mulher queira instintivamente ou de forma inata ser mãe e a pressão que alguém que pensa de forma contrária sofre, durante toda a sua vida, fez-me pensar de uma forma que nunca tinha imaginado.
Até na linguagem, repara: sou mãe ou não sou mãe. Sou mãe ou não-mãe, para simplificar. Assumo uma identidade positiva ou a alternativa é um não ao centro do ser. Mas a linguagem pode mais do que isso: posso ser casada ou não-casada (solteira, celibatária), posso ser fiel ou não-fiel (infiel, promíscua, adúltera), posso ter emprego ou não (ociosa, desempregada); posso ir votar ou não ir votar (abster-me); enfim, parece haver palavras para a maior parte das minhas escolhas mas também para as minhas recusas, excepto para a maternidade. A linguagem não contempla ainda a expectativa de uma rapariga em busca de uma identidade positiva que reflita a sua escolha. Ela tem de ser uma negação. Uma não-mãe.
Não é um livro com uma história de ação ou com muito a acontecer. É uma viagem sobre sentimentos, perguntas por responder, histórias por terminar. É um livro sobre a expetactiva do que podia ter sido.
(...) houve um momento em que tinha todo o tempo para conspirar filhos e futuros e, no seguinte, cada dia era um dia a menos para me decidir.
Nunca tinha lido nada da autora e fiquei com imensa curiosidade de espreitar mais alguns dos seus livros! A escrita é mesmo como eu gosto, cheia de passagens lindas, com muita emoção. Como já disse, apesar de não ter uma história dinâmica e com ação, o pouco que acontece é carregado de emoção. Pessoalmente, tocou-me bastante, principalmente pela questão da maternidade e como a passagem do tempo tem, principalmente para as mulheres, realmente impacto nas nossas escolhas.
Avaliação: 8/10