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Clarabóia

Clarabóia

07.07.20

A Culpa é Minha | Louise O’Neill


Raquel Patrício

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Hoje venho falar-vos de um livro extraordinário que me foi dado a conhecer pelo Book Gang, da Helena Magalhães. 

"A Culpa é Minha" conta a história de uma rapariga de 18 anos, Emma, e das repercursões que uma violação teve na sua vida. Antes de tudo acontecer, Emma era uma rapariga bastante popular na escola - aquela que todas as raparigas invejam mas, por outro lado, querem ser amigas; aquela que todos os rapazes querem conhecer e com quem se querem envolver. Emma é descrita como uma jovem muito bonita, vaidosa, extremamente preocupada com a sua aparência e com o que os outros vão pensar dela. Na parte inicial do livro confesso que não simpatizei muito com a personagem: achei-a arrogante, manipuladora e calculista. Emma tinha atitudes muito más com as pessoas que considerava serem as suas melhores amigas. Em relação aos rapazes, a sua postura era a que tinha quem queria e andava com quem queria. Na sua mente, todos a desejavam e, os que não o fizessem (ou não lhe dessem a devida atenção), ela provocava-os até ter a certeza que se sentiam atraídos pelo seu corpo. Entre as amigas, Emma era conhecida como uma rapariga que já tinha estado com bastantes rapazes, que gostava de ir a festas, divertir-se e beber. Aliás, fica implícito que existe aqui um atrito entre Emma e uma das amigas pois a mesma alega ter sido violada numa festa em que foram juntas e Emma demove-a de fazer queixa ou de contar a mais alguém, dizendo que a mesma se arrependeu no dia seguinte mas que isso era perfeitamente normal acontecer, não era por isso que seria considerado uma violação. 

Contudo, tudo muda numa festa em que o grupo de amigas vai. Emma tinha a intenção de nessa noite ter relações com um jogador da equipa de futebol da escola. Vai à festa extremamente produzida, com um vestido provocante. Contudo, ao ver que não consegue cativar a atenção do mesmo, envolve-se com um amigo deste, ainda mais popular (Paul). Para mostrar que é uma rapariga rebelde, aceita tomar uma pastilha de algo que não sabe bem o que é. Durante o efeito da mesma, Emma revela comportamentos bastante inapropriados, chegando até a provocar o namorado da melhor amiga. Decide puxar Paul para um quarto e começa a beijá-lo. Contudo, Emma claramente não está consciente das suas atitudes e sente mesmo que perde algum controlo nas suas ações. Paul começa a despi-la para fazerem sexo. Quando Emma se apercebe que as coisas estão a avançar, pede para Paul parar pois não se sente bem, o que o mesmo recusa, dizendo para esta não ser esquisita, pois se o puxou para o quarto era porque queria aquilo. No final deste momento, quando Emma se está a vestir, Paul abre a porta do quarto para toda a gente a ver nua. Acabam por entrar mais 3 rapazes, com droga, que incitam Emma a experimentar. 

A seguir, Emma é encontrada no dia seguinte, deitada à porta de casa, com uma insolação, pelos pais, descrita como um verdadeiro farrapo. A mãe achava que a filha era um saco do lixo que tinha sido deixado às suas portas. Quando Emma desperta, sente-se bastante fraca, sem qualquer memória do que aconteceu na noite anterior. Tudo rebenta quando Emma percebe que no Facebook existe uma página com fotos suas daquela noite, em que se encontra inconsciente, completamente nua, no quarto em que teve relações com Paul, mas onde estão mais 3 rapazes. Todos eles a terem relações com a mesma, a vomitarem-lhe em cima, a urinarem na sua cara... fotos de todas as partes do seu corpo, completamente explícitas. 

Não vou contar mais para não revelar nada para quem quer ler o livro! Mas só vos digo: leiam. 

Um livro verdadeiramente intenso, que levanta múltiplas questões. Percebemos com bastante detalhe o impacto que a violação tem na vida e na mente das vítimas, os efeitos que se repercutem nos familiares, a forma como muitas vezes os agressores são tratados com leviandade e como se fossem as próprias vítimas. Além disso, há aqui um espelho demasiado real, infelizmente, de como a própria sociedade condena as vítimas: se a mulher se vestiu de uma forma demasiado provocadora, estava à espera de quê? Se bebeu tanto, estava à espera de quê? Se entrou no quarto com uma rapaz, estava à espera de quê? O livro faz com que cresça uma revolta dentro de nós, ao vermos Emma a ser acusada com estas questões, como se fosse normal os homens se aproveitarem das mulheres, como se fosse normal não existir consentimento.

O final deixou-me sufocada. Este é um livro que nos deixa a pensar na cultura da violação e na forma como a sociedade ainda encara esta questão com tanto preconceito e, em vez de ter uma atitude protetora em relação à vítima, ainda as condenam. 

Avaliação: 9/10